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domingo, 15 de julho de 2012

O ritual do fogo

Em 1983, Campinas era uma cidade com vários quilômetros de terrenos vazios, e o Roberto me pediu para trabalhar num sábado, exatamente do lado da fábrica de camisa, onde havia um enorme terreno vazio, de 20m de frente com 30m de profundidade. Ele me deu umas vinte caixas de arquivo morto, e pediu para queimá-las. Era um monte de notas, relatórios, mas todo o serviço não durou mais que meia hora.

Já em 1984, o terreno não estava mais vazio, o Sr Walter e o Sr Waldir haviam construído uma loja de camisas, eu adorava as camisas de Voil de manga curta com bolso no peito esquerdo. A loja já existia na fábrica, mas a Marli ganhou um enorme espaço para vender as camisas, principalmente aquelas que sofreram acidentes na fabricação, por um preço bem mais em conta. Eu não tenho paciência com vendas, mas a Marli ficou um bom tempo trabalhando para o Sr Walter. A última vez que nos vimos foi em 2010, exatamente nessa mesma loja, ela disse que estava trabalhando no Shopping de Campinas - nessa época, vários funcionários de várias gerações foram reunidos para brindar os oitenta anos do Sr Walter.

A princesa e muitos outros da minha época não apareceram, mas a Marli conseguiu montar um mural com várias fotos, incluindo uma da princesa. Muita água rolou debaixo da ponte, o tempo voou, mas eu participei de vários rituais de fogo, dessa vez em Diadema, só que o terreno é bem apertado, é mais ou menos 5m de frente com 5m de profundidade. Ao invés de queimar papel, ajudei minha mãe a queimar vários pedaços de madeira, muitos deles ainda verdes, coisa que fez o ritual do fogo durar duas até três horas.

Ao contrário do ritual de 1983, vários outros que participei com minha mãe me deixaram constrangidos. O de 1983 não levantou nenhuma fumaça, já o ritual da minha mãe é só fumaça, muitos invadindo a janela da vizinhança. É constrangedor. Três horas de fumaça é muito tempo, e qualquer um pode chamar o corpo de bombeiros. Diadema faz divisa com São Paulo em dois trechos, pelo lado oeste com Santo Amaro e pelo lado norte com Jabaquara, ou seja, é impossível você saber onde começa e onde termina Diadema, tudo aqui parece continuação de São Paulo. Há poucos terrenos vazios, e é bem raro você você ver alguém queimando mato.

E o problema é esse. Apesar de Diadema ser um centro urbano, ainda há muito mato, só não há espaço para queimá-lo. Mesmo em 1983, queimar um punhado de papel não foi fácil, tanto é que o Roberto me pediu para fazer no sábado. Já a minha mãe é mais esperta, ela faz o ritual do fogo durante a semana, quando ela presume que os vizinhos são em menor número, pois todos estão trabalhando.

Um comentário:

  1. Olá,Hosaka, cabeça de porongo seco não diga que é impossível ser ateu - discordo, porque sou ateu e empedernido. Não creio em bolinha de Lanciano, vinho que se multiplica, pão que não se acaba, hehehe

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