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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Esse tal de Arduíno

Por Tatiana de Mello Dias

Como uma plataforma aberta criada para estudantes impulsionou o hardware livre ao atrair curiosos e fãs de eletrônica que querem construir seus próprios aparelhos

Sábado, 11h, 30 graus. O calor em São Paulo estava quase insuportável, mas em um casarão no bairro Santa Cecília, ele não foi páreo para placas, fios e circuitos – trio que centralizou as atenções dos presentes. Na Oficina Arduino 100 Noção, todos os olhares estavam fixos nas entradas da protoboard, placa usada para o aprendizado de eletrônica.

Eles estavam lá para entender o que é, afinal, o Arduino, plataforma que populariza o conceito de hardware livre. Assim como o software, o hardware open source é desenvolvido de forma aberta, sem patentes, e seu projeto pode ser recriado de diferentes formas. E, depois dos conceitos, vem a prática. Tudo o que todo mundo queria, naquela manhã, era só uma coisa: fazer que a luzinha da placa acendesse.

A oficina ocorre quinzenalmente no Garoa Hacker Clube, comunidade de amantes de eletrônica que funciona no porão da Casa de Cultura Digital. Quem dá as aulas é o desenvolvedor Cláudio Miklos, membro do clube fundado no começo de 2011. Ele não pediu autorização para começar a dar as oficinas sobre uma de suas paixões.

Criado em 2005, o Arduino surgiu como um projeto para estudantes. Aprender eletrônica era caro: um microcontrolador custava 100 euros. Por isso estudantes do Instituto de Design de Interação de Ivrea, na Itália, decidiram fazer sua própria placa. Buscaram colaboradores e, assim, Massimo Banzi criou uma tecnologia eficiente e acessível, compatível com Windows, Mac e Linux. As placas foram feitas em dois dias. Chegou a hora de fazer um software que as fizesse conversar com o computador. “Surgiu a vontade de fabricar algo de maneira mais profissional”, diz Gianluca Maertino, cocriador da plataforma, no filme Arduino, o Documentário. Logo as placas começaram a ser vendidas – sem perder sua característica livre: qualquer um poderia recriá-las, desenvolvê-las e fazer qualquer coisa com aquilo.

É isso o que permitiu o surgimento de oficinas como a de Cláudio Miklos. Uma placa de Arduino custa cerca de R$ 100. Mas o padrão aberto permite que ela seja reproduzida e conectada ao software, barateando ainda mais a produção. Naquele sábado, os alunos trabalhavam em um kit que não custou mais do que R$ 30. E ali cada um tinha um objetivo diferente.

“Quero virar nerd de Arduino”, brincou a estudante de artes Aline Arcuri. Ela foi à aula por indicação de um professor da faculdade. Interessada em arte eletrônica, quer aprender a usar a plataforma para criar uma “floresta de LEDs” na Voodoohop, festa alternativa paulistana. “Arduino está em alta, mas não tenho muita paciência. Quer dizer, não tinha. Estou me forçando a ser nerd. Se tivesse ido para a balada ontem, hoje não estaria entendendo nada”, riu.

O analista de sistemas Dorival Lopes quer automatizar o acendimento das luzes da sua casa. “É muito caro comprar essas coisas”, disse, enquanto quebrava a cabeça para descobrir qual conexão estava errada – o seu LED não acendia. E acender a lâmpada é o primeiro indício de que a placa montada pelos alunos está funcionando.

“Não precisa ser nenhum gênio”, disse Miklos, forçando os alunos a testar uma a uma as conexões da placa atrás dos problemas. O primeiro LED a acender foi o do bancário Leonardo Luciano Silva. Ele é um aluno aplicado. Quer entrar para o Garoa Hacker Clube, mas precisa de uma indicação de um sócio – enquanto isso não acontece, ele frequenta os eventos ajudando os outros alunos.

“Acendeu!”, comemorou Rodolfo Araújo, também analista de sistemas. Ele tem um objetivo ambicioso: quer montar uma estação meteorológica na laje de sua casa e enviar as informações para a web, para oferecer previsão do tempo à região de Guarulhos. “Depois que se aprende a falar, o céu é o limite”, disse.

A placa de Arduino comprada pronta já vem com o LED funcionando e outras saídas – como USB e Bluetooth. Mas a ideia da oficina é mostrar aos alunos que é possível criar a própria placa – e desenvolver interações a partir dela. “Fazer nessa plaquinha dá muito mais noção do que está acontecendo”, disse Aline, a última a conseguir acender o LED – sem um pingo frustração. “Fazer hardware aberto é se divertir”, diz Miklos. “O Arduino é uma forma de entender o que está dentro dos eletrônicos e pegar o controle de volta”, diz o professor do ensino médio Joan Carlos de Mena no documentário.

Para todos. A revolução do Arduino vai além do hardware. Seu software transforma uma linguagem relativamente fácil para humanos (um C simplificado) em outra língua, mais difícil para homens, mas mais fácil para o hardware entender. Isso simplifica a criação de comandos para a placa, que vai conversar com o ambiente via sensores (de presença e temperatura) e pode ser conectada a outros objetos (até a um celular Android).

Por ser open source, há uma grande biblioteca de comandos. Quem cria um robô, objeto de arte, impressora 3D ou qualquer outro objeto físico para Arduino contribui com funções para a biblioteca. É conhecimento sobre conhecimento, o mesmo princípio do software livre.

Quando ouviu falar da plataforma, o programador Zach “Hoeken” Smith pensou de cara em uma máquina que fabricasse objetos. Ele não entendia muito de eletrônica, mas deu certo. E hoje sua empresa, a Makerbot, vende impressoras 3D a um preço acessível (cerca de US$ 1 mil). É a única do tipo. A Makerbot pega um projeto de objeto em 3D e, com múltiplos Arduinos, funciona como um robô recriando o projeto em plástico. Se o projeto do objeto for open source, então os objetos também serão abertos. “O que nós tentamos fazer é tornar tudo open source”, diz Smith.

Como o Arduino é a primeira plataforma a adotar o conceito de hardware aberto, os padrões ainda são nebulosos. “A questão de open hardware ainda é complicada, não existe ainda uma licença”, diz Massimo Banzi. Mas, se o ritmo de desenvolvimento continuar o mesmo – hoje há 120 mil usuários do Arduino, contando só a placa oficial – a expectativa de seus criadores é que, em dez anos, apareça o primeiro computador Arduino. “Por que não?”, brinca David Cuartielles, cocriador da plataforma.

O Estado de S Paulo

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