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domingo, 27 de novembro de 2011

Réquiem para esta filosofia, por favor

>< No início deste mês eu aqui publiquei um artigo (Pensamentos). Eu pretendia republicar em sequência o texto que abaixo segue, já publicado no UOL há um tempão.

A filosofia perdeu espaço no interesse das pessoas devido a serem outras as necessidades para a garantia da sobrevivência em uma sociedade tecnocrática e extremamente competitiva.

Antes o conhecimento básico em filosofia, ciências e letras bastava. Hoje não. Hoje há muitos pormenores e detalhes técnicos.

É uma questão de sobrevivência. Isto levou a própria filosofia ao materialismo (dialético), aos cursos de direito e engenharia, ao existencialismo e a psicologia, os quais dão atenção quase total e peso quase absoluto a assuntos mundanos, práticos e cotidianos, deixando os assuntos metafísicos para as religiões.

Neste ponto a filosofia abdica de si própria, abdica da busca sem limites pelo saber e pelo conhecimento, abdica de ser amiga do saber, abdica de ser “filos-sofia”, portanto. Pois se limita.

E filosofia limitada não é filosofia. Eu não sei o que é, mas filosofia não é. Pois rende-se, limita-se, não procura mais o limite possível do provável, do nefável, do improvável e do inefável.

A filosofia tornou-se para muitos uma disciplina. Ela que antes fora todo o conhecimento tornou-se mais uma disciplina. E pior de tudo, uma disciplina a reboque da física, da psicologia ou da sociologia, ou seja dependente destas disciplinas. Só ousa o que elas permitirem. Ou seja nada ousa.

Esta divisão da única disciplina científica, as ciências naturais como era conhecida em oposição à teologia no ocidente, foi natural com o avanço do conhecimento humano em áreas bem específicas, o que acabou por transformar tais áreas em disciplinas específicas e separadas.

E com o conhecimento humano ficando cada vez mais específico, detalhado e técnico, foi-se gerando cada vez mais subdivisões.

Isto abriu um leque novo e fascinante de novas possibilidades que suscitaram o interesse e a curiosidade de mentes poderosas e de agentes sócio econômicos de peso. O esvaziamento da filosofia a partir daí foi expressivo, progressivo e inexorável.

As questões “técnicas” passaram a interessar e absorver as capacidades dos melhores cérebros. O fato destas questões “técnicas” e tecnológicas ainda estarem muito longe do seu limite e tornando-se cada vez mais intrincadas, aliado às boas recompensas financeiras e de realização pessoal e profissional auferidas ou alcançadas pelos que delas se ocupam, levaram a filosofia, enquanto busca do limite do conhecimento, a ser relegada a um plano de menor importância.

Só que o que aparentemente pouca gente percebe é o quanto nós nos tornamos “tecnicistas” alienados a ponto de não mais nos distinguirmos com tanta clareza das máquinas que usamos. Ao ponto de muitos de nós estarmos vivendo como autômatos, como robôs consumistas e deslumbrados pelo nosso “imenso” conhecimento tecnológico, pelos nossos computadores, pelos nossos automóveis cheios de “tecnologia”, pela medicina quase milagrosa, pelo conhecimento de técnicas genéticas.

Para muitos, no lugar do pão e circo, temos agora o pão e micro.  Esta alienação sempre foi muito mais comum do que alguns imaginam na história da humanidade.

Mas atualmente ela atinge áreas pensantes das sociedades de uma maneira preocupante. Pois estas áreas pensantes, antes pensavam.
E hoje apenas vivem.

Não que sejam apenas dotados de preocupações fúteis e triviais de constituição estética ou cosmética. É que está cada vez mais complicado viver.

Há muito mais detalhes. Voltamos a ficar tão preocupados com os múltiplos detalhes da existência e da sobrevivência em uma sociedade
em constante mutação que não mais sobra tempo e/ou energia para pensar.

Pois a filosofia, a busca dos limites do saber, iniciou-se quando o ser humano atingiu em várias sociedades uma situação de relativo conforto e segurança, o que lhe permitiu despender esforços na busca de respostas para as mais intrigantes questões da existência.

E hoje, o avanço tecnológico e a competição global gerou uma situação paradoxal, contraditória, beirando mesmo o absurdo.

Pois o progresso que deveria aliviar o peso da existência tornou-a tão complicada e disputada que estamos perdendo a segurança e o conforto que tínhamos pela obrigação de estarmos cada vez mais “up to date”, cada vez mais fazendo upgrades e atualizações do nosso conhecimento e dos nossos paradigmas que não podemos mais dar-nos ao luxo de pensar.

Triste destino o da humanidade e do ser humano. Quando consegue um tempo livre não aguenta mais pensar.

Não aguenta mais nem pensar em pensar porque a necessidade de atualização técnica já nos oblitera a capacidade de raciocínio e precisamos espairecer um pouco para suportar o dia-a-dia massacrante.

Dia-a-dia com cérebro ligado full-time em telefones, celulares, rádios, micros de mesa, note-books, palmtops, e-mails, internet, intranet, TV, TV a cabo, treinamentos, viagens, planejamentos detalhados, conhecimentos abrangentes e por aí vai. E o pior é que o serviço agora nos acompanha para casa e em qualquer lugar dentro dos note-books [e agora dos tablets e iPods].

Pobre humanidade. E as grandes questões da existência nunca tem hora. Os melhores cérebros estão sempre ocupados demais, a população em geral está na ilusão de sempre e quem não está na caverna de Platão é chamado de louco, já que ninguém mais vê o que ele percebe.

Réquiem para a filosofia, por favor.

[]s

CZR [um aprendiz]
Apenas a Verdade prevalecerá
Paz, saúde e felicidade a todos

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