Páginas

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O jeito português de fazer marmelada

Dias Lopes - O Estado de S Paulo

Os portugueses dizem que um casal de namorados "está na marmelada" ou "faz marmelada" quando se encontra em jogos sexuais. Aparentemente, é uma das raras locuções com local e época de nascimento. Teria surgido na região de Lisboa, em princípios do século 18, inspirada no romance escandaloso entre d. João V (1689-1750) e d. Paula Teresa da Silva, a madre superiora do Mosteiro de Odivelas, a 15 quilômetros da capital.
O rei, que governou Portugal por 44 anos, em um dos períodos mais ricos do país, visitava a amante quase todas as noites. Nos intervalos das trocas amorosas, o casal saboreava "quadrados" de marmelada. Segundo Miguel Xara-Brasil, estudioso da história de Odivelas, "d. João V, curioso para saber como eles eram feitos chegou (...) a ajudar madre Paula a confeccioná-los". O mosteiro se destacava por ser especializado na festejada doçaria conventual portuguesa.
Outro soberano que "esteve na marmelada" ou "fez marmelada" com uma freira do mosteiro foi Afonso VI (1656-1683). Duas religiosas sapecas disputaram o interesse régio: d. Ana de Moura e d. Feliciana de Milão. Venceu a primeira. Duvida-se, porém, que o par ultrapassasse a fronteira gastronômica. Na prática, d. Afonso VI se interessava pouco pelas mulheres.
Atacado na infância por uma "febre maligna", ele ficou paralisado do lado direito do corpo, "meio bobo" e incapaz para governar qualquer coisa, inclusive a si próprio. Ascendeu a rei por acaso, em razão da morte do irmão mais velho, herdeiro da coroa. Foi destronado pelo mais jovem, d. Pedro II, que lhe tomou o governo e a mulher.
Na juventude, rodeou-se de rapazes pouco recomendáveis, inclusive de um genovês, Antônio Conti, comerciante de adornos femininos, que alojou em um quarto do castelo, com porta para o seu. O povo suspeitava que ambos "faziam marmelada". Querendo libertá-lo da vida desregrada, a rainha-mãe o casou com a princesa parisiense d. Maria Francisca Isabel de Saboia. A união acabou declarada nula por não ter sido consumada.
No final da vida, d. Afonso VI foi trancado pelo irmão no Palácio de Sintra. Segundo José Pedro de Lima Reis, no livro Algumas Notas para a História da Alimentação em Portugal (Campo das Letras Editora, Porto, 2008), "a única distração que lhe restaria, além de assistir à missa, era comer". Entre os alimentos costumeiros, havia um quilo e meio de testículos de carneiro. "Teriam, com grande probabilidade, o objetivo de melhorar a sua potência sexual que (...) seria um verdadeiro desastre", completa Lima Reis. Mesmo assim, enquanto reinou, d. Afonso VI visitou Odivelas.
A licenciosidade observada em alguns mosteiros portugueses se devia à completa falta de vocação de noviças e freiras. As instituições religiosas acolhiam moças que davam "mau passo" e cujos pais não conseguiam casá-las com os sedutores; ou sem um dote suficiente para capturar bom partido. Para elas, o hábito constituía um vestido comum, não a roupa de uma mulher que fizera juramentos de obediência e castidade para se entregar ao serviço de Deus.
Apesar da oposição dos reis fogosos, as autoridades católicas lutaram contra as freiras que "faziam marmelada", punindo muitas com a expulsão dos estabelecimentos eclesiásticos. Nos últimos séculos, por exemplo, o Mosteiro de Odivelas, fundado em 1295, deixou de ser fonte de escândalos, convertendo-se apenas em centro de espiritualidade. Na cidade onde se localiza ainda se "faz marmelada", porém a de verdade. A mais famosa é a da Pastelaria Faruque, da Rua Guilherme Gomes Fernandes, 87-A, tel. (00351) 219 211 574.
No Brasil, marmelada às vezes tem acepção negativa, mas pudica. Significa negócio desonesto, mamata, conluio para se forçar o resultado de um jogo. Lembram da partida de futebol na qual o Grêmio Porto Alegrense perdeu porque quis para o Flamengo do Rio de Janeiro, a fim de não deixar o Internacional gaúcho alcançar pontos que o tornariam campeão do Brasil em 2009? Foi marmelada.

[texto divulgado por iFrank]

2 comentários:

  1. nham, nham, nham, nham, nham, nham, nham...

    quer um pedaço,cumpadi?

    ResponderExcluir
  2. Mas como esses mineiros gostam de doces.

    Agora é marmelada,depois é goiabada, e ainda por cima,é tudo da Cica...

    ResponderExcluir